quinta-feira, 22 de julho de 2010

A FIXAÇÃO DAS CRENÇAS E SUA RELAÇÃO COM A VERDADE SEGUNDO

CHARLES S. PEIRCE.


 

Fred Carlos Trevisan1


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

1 INTRODUÇÃO


 


 


 

Um dos grandes questionamentos do ser humano é sem dúvidas sobre a

verdade, pois o ser humano precisa de certas verdades para progredir no domínio

do conhecimento.


 

A crença verdadeira é aquela que de alguma forma não poderia ser

melhorada, e que sempre resistiria ao desafios da argumentação e da

demonstração. A verdade é algo firme, não se alterando de pessoa para pessoa

ou mesmo de cultura para cultura. Peirce, afirma que há uma verdade para qual

nossos juízos, sejam eles morais ou não, podem almejar.


 

Nossas crenças orientam nossos desejos e, de certa forma, criam em nós

uma espécie de hábito, que por sua vez determinará nossas ações. Assim, uma

crença é a crença que melhor resistiria ao desafios da argumentação e da

demonstração ou, então, não é.


 

O trabalho que se segue é uma tentativa de compreensão e possível

analise acerca de um texto, muito consagrado, de C. S. Peirce, a saber, A

fixação das crenças.


 


 


 


 


 

2 A FIXAÇÃO DAS CRENÇAS E SUA RELAÇÃO COM A VERDADE


 


 


 

Em seu texto, A fixação da crença, Peirce começa por afirmar que a

capacidade de traçar inferências é mais uma arte resultante de um trabalho de

aprendizado, longo e difícil, do que um dom natural do homem. Esta capacidade


 


 


 

1 Mestrando em Filosofia da PUCSP e Professor da FAPI, FAEL, FACSUL, ESEEI e da Pós-Graduação das

Faculdades Bagozzi


 

 

de traçar inferências é a última das faculdades sobre a qual o homem adquire

amplo domínio.


 

Fundamentalmente somos animais lógicos, contudo não de maneira

perfeita. Do ponto de vista da lógica não se justifica, por exemplo, a confiança e a

esperança da maior parte dos brasileiros com relação ao futuro, no entanto,

parece que, quanto menos acontecimentos para atrapalhar, mais felizes ficam,

como se o efeito da experiência fosse o de escolher os desejos e expectativas.

"Ser lógico em relação a questões práticas (entendendo a expressão não em seu

vetusto sentido, mas como corresponde a sábia união da segurança com o

proveito do raciocínio) é o dom mais útil que um animal pode possuir, caberia,

pois, aceitar que decorresse do processo de seleção natural."

(PEIRCE,1988,p.177)2. E conclui Peirce dizendo que provavelmente é mais

vantajoso ter o espírito ocupado com visões agradáveis e estimulantes sem,

contudo ter o compromisso de serem elas verdadeiras.


 

Seja tendência de espírito constitucional ou adquirida é ela que nos

conduz, dadas certas premissas, a emitir esta ou aquela conclusão. E a tendência

de espírito será adequada ou não a partir de premissas verdadeiras. E assim "uma

inferência é tida por valida ou não independentemente de referência à verdade ou

falsidade da conclusão a que leva e apenas considerando ser a tendência que

determina essa conclusão tal que, em geral, conduz ou não a conclusões

verdadeiras". (PEIRCE, 1988,p.179). E o princípio orientador da inferência é uma

tendência de espírito que disciplina se esta ou aquela inferência pode ser

formulada por uma proposição cuja verdade depende, a principio, da validade das

inferências que a tendência determina.


 


 


 

2 O texto, "A fixação das crenças", utilizado se encontra em VERICAT, J. Charles S. Peirce. El hombre, um

signo (El pragmatismo de Peirce). Barcelona: Crítica, 1988. p. 175-199. A fixação das crenças,

correspondente a 1877, se publicou originalmente nos Popular Science Monthly. O texto se encontra em CP

5.358-387.


 

 

Ao se formular uma indagação lógica, muitos fatos já estão presumidos,

que existam estados de espírito, como o da dúvida e o da crença e que é plausível

permanecendo o mesmo objeto de pensamento, a transição de um para o outro,

estando sujeito a certas regras.


 

De qualquer forma, sabemos quando é do nosso desejo duvidar ou crer,

formular perguntas ou juízos, pois há diferenças entre a sensação de crer e a de

duvidar. Peirce distingue a dúvida da crença e aponta uma diferença prática:

"Nossas crenças orientam nossos desejos e dão contorno a nossas ações"

(PEIRCE,1988,p.182).


 

A crença, de certa forma, cria em nós uma espécie de hábito, que por sua

vez determinará nossas ações, "O sentimento de crença é indicação mais ou

menos segura de se ter estabelecido em nossa natureza um certo hábito que

determinará nossas ações".(PEIRCE,1988,p.182). A dúvida jamais acompanha tal

efeito.


 

A sensação de dúvida é um estado incômodo e desagradável, do qual

lutamos por libertar-nos. Buscamos chegar ao estado da crença, pois esta é um

estado de tranqüilidade e satisfação do qual não queremos sair, "A dúvida é um

estado de inquietude e insatisfação, do qual lutamos por libertar-nos e passar ao

estado de crença; este é um estado de tranqüilidade e satisfação que não

desejamos evitar ou transformar na crença em algo diverso"

(PEIRCE,1988,p.182). Se duvidássemos da segurança de nossa habitação, por

exemplo, acreditando que a qualquer momento ela pudesse desmoronar sobre

nós, viveríamos em um constante estado de incomodação. Contudo, buscamos

nos libertar desta incomodação e passar a um estado de tranqüilidade. Apegamo-


 

 

nos a crença de que nossa habitação é segura e mais ainda, agarramo-nos

persistentemente a crer na crença de que nossa habitação é segura.


 

A crença verdadeira é aquela a qual chegaríamos se inquiríssemos tanto

quanto pudéssemos sobre um determinado assunto. Segundo Peirce, "Quando

um homem deseja ardentemente conhecer a verdade, seu maior esforço será

imaginar que esta verdade pode existir" (PEIRCE,1997,p.48), assim, uma crença

verdadeira é uma crença que, de alguma maneira, não poderia ser melhorada,

não importando o quanto investigássemos e debatêssemos ela sempre se

contraporia aos desafios da razão e da argumentação.


 

Contudo, segundo Peirce, a dúvida e a crença têm sobre nós efeitos

positivos, porém muito diversos. A crença não nos leva a agir de imediato, mas

nos deixa em uma situação que, em determinada ocasião, nos comportaremos de

acordo com os padrões de nossa crença. A dúvida, contudo não tem esse efeito

ativo, assim estimula-nos a indagar até vê-la destruída.


 

A irritação da dúvida conduz a um esforço por atingir um estado de

crença "A irritação da dúvida é o único motivo imediato da luta por alcançar a

crença" (PEIRCE,1988,p.183). A esse esforço, Peirce, denominou investigação

embora ele admita que, por vezes, tal designação não se mostre muito adequada.


 

É muito conveniente serem nossas crenças tais que orientem

devidamente nossas ações, de maneira a satisfazer nossos desejos. Esta reflexão

nos conduzirá a rejeitar toda crença que não parece ter-se estruturado para

garantir este resultado. Segundo peirce, isto só acontece se uma dúvida substituir

a crença "Com a dúvida, a luta começa e tem fim quando cessa a dúvida."

(PEIRCE,1988,p.183).


 

 

Buscamos sempre uma crença que julgamos verdadeira. E julgamos que

são verdadeiras todas as nossas crenças. Assim sendo, o único objetivo da

investigação, de acordo com Peirce, é o acordo de opiniões.


 

Peirce alude, ao longo do texto quatro métodos de fixar as crenças, a

saber: o método da tenacidade, o método da autoridade, o método a priori e o

método científico.


 

Peirce, através de uma indagação, começa a esquadrinhar uma teoria

acerca de seu primeiro método de fixar as crenças. Esse método, foi

denominado de método da tenacidade "Se o acordo de opiniões é o objetivo único

da investigação e se a crença reveste a natureza de um hábito, por que não

atingiríamos o alvo desejado tomando a resposta a uma indagação qualquer,

repetindo-a constantemente a nossos próprios ouvidos, apegando-nos, com

desgosto e irritação, de tudo quanto possa perturbá-la?". (PEIRCE,1988,p.186).


 

A pessoa acredita que evitando a dúvida e agarrando-se tenazmente em

sua crença, esta o será por completo satisfatória."Não se pode negar que a fé

sólida e imutável proporciona grande paz mental".( PEIRCE,1988,p.186). Peirce

da o exemplo do avestruz que ao menor sinal de perigo enterra a cabeça na areia,

e dissimulando o perigo diz a si mesmo que o perigo não existe.


 

É muito provável que agindo dessa forma dê margem a incoerências,

Peirce da o exemplo de um homem que resolutamente acredita que o fogo não

queimará, se insistir em se aproximar demais do fogo, crendo ou não, esse lhe

trará certas inconveniências. Contudo lembra Peirce "Contudo, o homem que se

inclina por esse procedimento não permitirá que suas inconveniências superem as

vantagens." (PEIRCE,1988,p.186)


 

 

Sem dúvidas que este método de fixar a crença, a tenacidade, é o

caminho mais fácil, contudo será incapaz de sustentar-se na prática pois a

corrente social lhe é contrária "Brota de um impulso demasiadamente forte para

ser suprimido sem risco de destruição da espécie humana. A menos que nos

façamos eremitas, haverá necessariamente recíproca influência de opiniões; e,

dessa maneira, o problema se transforma no de saber como fixar a crença não

simplesmente no individuo, mas na comunidade." (PEIRCE,1988,p.187).


 

Em uma sociedade dividida, em lutas, subordinada uma hora por uns,

outra hora por outros, os homens perdem suas concepções de verdade e razão e

passam a trabalhar por todos os meios, ao seu alcance para silenciar seus

adversários, pois, para eles, a verdade é aquilo pela qual lutam. De acordo com

Peirce "O seguinte passo que se pode esperar em um desenvolvimento lógico não

interrompido por ocasiões incidentes consistirá em reconhecer que uma

autoridade central deve determinar as crenças da comunidade inteira. Até onde

chegam moral e religião, este plano chega admiravelmente seu propósito de

produzir uniformidade." (PEIRCE,1997,p.56), o método da autoridade, desde os

primórdios, um dos principais meios de sustentação de certas doutrinas teológicas

e políticas.


 

Apesar deste sistema dispor de procedimentos cruéis, devemos

reconhecer sua superioridade mental e intelectual sobre o método da tenacidade,

"Seu êxito é proporcionalmente maior; e, em verdade, ele tem, repetidamente,

produzido imponentes resultados." (PEIRCE,1988,p.189).


 

Não obstante os imponentes resultados, nenhum credo, ao longo do

tempo tem se mantido sempre idêntico a si mesmo. Entretanto a mudança é tão


 

 

lenta que se torna imperceptível ao longo de uma vida e por isso a crença

individual permanece fixa. Para a massa da humanidade este é, talvez, o melhor

método. Pois "o mais intenso impulso que experimentamos leva a serem escravos

intelectuais, escravos devem continuar". (PEIRCE,1988,p.189).


 

O método a priori, que segundo Peirce, não difere essencialmente do

método da autoridade, é o terceiro método de fixar as crenças.


 

Peirce afirma que, nenhuma instituição poderá regulamentar as opiniões

sobre todos os assuntos. De modo que só poderá regulamentar os de maior

importância, ficando os de menor importância à ação das causas naturais, isso

não é necessariamente uma fraqueza, não enquanto os homens se mantiverem

isolados de modo que as opiniões não se influenciem reciprocamente. Contudo, a

história tem demonstrado que até mesmo nos Estados onde acontece um maior

domínio clerical, existem sempre pessoas que conseguem ultrapassar esta

condição, "percebem que em outras regiões, e outras idades, os homens

cultivaram doutrinas muito diversas daquelas que eles foram ensinados a

professar" (PEIRCE,1988,p.189), e assim estes homens chegam a conclusão de

que foi mero acidente terem aprendido o que aprenderam e estarem rodeados de

certa cultura e de certos hábitos o que os levou a acreditarem no que acreditam.

E, desse modo, Peirce conclui que "a dúvida surge nos espíritos"

(PEIRCE,1988,p.189).


 

Com isso, a deliberada adesão a uma certa crença e sua imposição aos

demais deve ser dispensada. Então "Há de ser adotado um método diferente de

ajustar opiniões e ele deverá não só induzir a crer, mas permitir escolha da

proposição em que se deva crer." (PEIRCE,1988,p.191). Este método não oferece


 

 

obstáculos à ação das preferências naturais e que sob sua influencia os homens

possam desenvolver crenças que se harmonizem com as causas naturais. Este

método, em comparação com os anteriores, é considerado por Peirce muito mais

intelectual e, do ponto da razão muito mais respeitável também.


 

Por fim, Peirce atenta para a necessidade de que haja um método que

não seja determinado por algo humano, mas antes por algo externo e estável, e

assim que possa afetar todas as pessoas. Ainda que as maneiras de afetar sejam

completamente distintas do ponto de vista das condições individuais, o método

deve ser tal que as conclusões últimas de todas as pessoas sejam sempre as

mesmas.


 

O método ao qual Peirce se refere é o método científico, cuja hipótese

fundamental é de que existem Reais que independem de nossas opiniões a

respeito delas. E assim, esses "Reais afetam nossos sentidos segundo leis

regulares e conquanto nossas sensações sejam tão diversas quanto nossas

relações com os objetos, poderemos, valendo-nos das leis da percepção,

averiguar, através do raciocínio, como efetivamente as coisas são;"

(PEIRCE,1988,p.193), e toda pessoa, desde que possua experiência bastante e

raciocine suficientemente acerca do assunto, chegará a uma conclusão única e

Verdadeira. A concepção nova, que Peirce introduz, é a de Realidade.


 

Este é o único dos quatro métodos que distingue uma forma certa de uma

forma errada. Contudo não se deve supor que os outros três métodos não

possuam vantagens sobre o método científico, ou que o método científico seja a

solução definitiva. Pois, as pessoas que conhecem a ciência por seus resultados

são geralmente aptas por aceitar a noção de que todo o universo já está


 

 

totalmente explicado em suas partes principais, mas quanto a isso Peirce adverte

dizendo que "não obstante tudo o que se foi descoberto desde a época de

Newton, aquele dito de que somos crianças que recolhem formosas pedrinhas na

praia enquanto o oceano repousa em seu dorso inexplorado, segue sendo

substancialmente tão verdadeiro como sempre e o será ainda que recorramos as

formosas pedrinhas com espátulas mecânicas e as transportemos em furgões."

(PEIRCE,1997,p.75). Cada método a partir de suas especificidade possui certas

vantagens e o que importa é escolhermos e uma vez feita, a escolha nos obriga a

adesão "A força do hábito fará, muitas vezes, com que o homem mantenha velhas

crenças, mesmo depois de adquirir condição de perceber que elas são

desprovidas de base sólida".(PEIRCE,1988,p.195). Só a reflexão permitirá um

domínio sobre estes hábitos e o homem deve conceder para a reflexão o seu peso

total.


 


 


 


 


 

3 CONCLUSÃO


 


 


 

Peirce fala da necessidade de um método por força do qual nossas

crenças passem a ser determinadas por algo externo e estável, não por algo

humano, "por algo sobre a qual nossa reflexão não tenha efeito"

(PEIRCE,1988,p.193).


 

O método ao qual Peirce se refere é o método da ciência, cuja sua

hipótese é que existam coisas Reais, que independem de nossas opiniões a

respeito delas "Esses reais afetam nossos sentidos segundo leis regulares e


 

 

conquanto nossas sensações sejam tão diversas quanto nossas relações com os

objetos". (PEIRCE,1988,p.194). E assim, poderemos valendo-nos das leis da

percepção, averiguar como verdadeiramente as coisas são.


 

Em seu texto "A natureza da ciência", Peirce deixa claro que o que ele

entende por ciência é "a vida dedicada à busca da verdade de acordo com os

melhores métodos conhecidos por parte de um grupo de homens que se

entendem as idéias e os trabalhos uns dos outros como nenhum estranho pode

fazê-lo" (PEIRCE,1996,p.1437), e esta ciência da qual ele fala não são os estudos

solitários de um homem ilhado, mas antes "Só quando um grupo de homens, mais

ou menos em intercomunicação, se ajudam e se estimulam uns aos outros ao

compreender um conjunto particular de estudos como nenhum estranho pode

compreendê-los, chamo a sua vida ciência." (PEIRCE,1996,p.1437).


 

Muitas vezes, as pessoas se recusam a proceder assim tendo a idéia de

que as crenças constituem um todo que elas não podem imaginar que se apóie no

nada. E, sobre essas pessoas Peirce conclui dizendo que está "em lamentável

estado de espírito a pessoa que admite a existência de uma coisa chamada

verdade, distinta da falsidade simplesmente pelo fato de que, se agirmos fundados

nela, de olhos abertos, chegaremos ao ponto desejado e não nos perderemos e

que, não obstante convencida disso, ousa desconhecer a mesma verdade e busca

evitá-la" (PEIRCE,1988,p.196).


 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


 


 


 

ANUARIO FILOSOFICO. Navarra: UN, 1996.


 

PEIRCE, C. S. Escritos Filosóficos. Colegio de Michoacán: México, 1997.


 

VERICAT, J. Charles S. Peirce. El hombre, um signo (El pragmatismo de

Peirce). Barcelona: Crítica, 1988.


 


 


 


 


 


 


 


 


 

 

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